Fatores Psicossociais na NR-01 seria um erro?
A segurança do trabalho é uma área técnica. Por mais que exista margem para interpretação, devemos buscar nos basear em critérios técnicos, por exemplo, utilizando dados quantitativos para avaliar e controlar os riscos ocupacionais. O mesmo não podemos dizer dos fatores psicossociais no trabalho.
Tanto é verdade que a segurança do trabalho é amparada por uma série de normas técnicas, conhecidas como Normas Regulamentadoras. Sem citar as diversas NBRs da ABNT.
Portanto, desde que começamos a escrever essas normas, temos como objetivo criar parâmetros técnicos para avaliar os riscos físicos, químicos, biológicos, ergonômicos e mecânicos (de acidentes). Esses são os riscos ocupacionais tradicionais.
No entanto, a recente alteração na NR-01, prevista para entrar em vigor em maio de 2025, traz um novo desafio para essa abordagem: a obrigatoriedade de considerar fatores psicossociais.
Essa mudança gera uma série de questionamentos.
Neste conteúdo, trarei uma análise crítica sobre essa alteração na NR-01, explicando os motivos pelos quais considero essa mudança inadequada. Lembrando que é apenas a minha opinião.
Por que a NR-01 não deveria tratar fatores psicossociais?
As normas regulamentadoras historicamente lidam com riscos ocupacionais que podem ser quantificados, ou pelo menos minimizando o caráter subjetivo da avaliação.
Riscos físicos e químicos, por exemplo, são avaliados com base em parâmetros quantificáveis, como níveis de ruído (dB), concentrações de substâncias químicas (ppm), medições de temperatura, entre outros.
Isso permite que as avaliações de riscos sejam baseadas em critérios científicos e limites de tolerância bem definidos.
Até mesmo os riscos mecânicos (de acidentes) e ergonômicos podem ser comparados com parâmetros específicos, que buscam minimizar a subjetividade nas avaliações.
Já os fatores psicossociais, como estresse, assédio moral e pressão no ambiente de trabalho, são de natureza subjetiva.
Sua avaliação depende de percepções individuais, contexto organizacional e interpretações que variam de pessoa para pessoa.
Diferentemente dos riscos tradicionais, que podem ser medidos com equipamentos e metodologias padronizadas, os fatores psicossociais exigem abordagens qualitativas, entrevistas e análise de clima organizacional, tornando sua aplicação mais complexa.
Portanto, a inclusão de fatores psicossociais na NR-01 pode reduzir o seu caráter técnico.
Por que fatores psicossociais são importantes?
Apesar da minha crítica quanto a inclusão dos fatores psicossociais na NR-01, eu penso que essas questão são relevantes, visto que elas trazem um impacto significativo na saúde dos trabalhadores.
Impacto na saúde mental e física
Os fatores psicossociais no trabalho englobam estresse ocupacional, assédio moral, carga de trabalho excessiva, falta de autonomia, relações interpessoais conflituosas, entre outros temas.
Quando mal gerenciados, esses elementos podem gerar uma série de problemas, como:
- doenças psicossomáticas (como distúrbios gastrointestinais e insônia)
- síndrome de burnout, reconhecida pela OMS como uma doença ocupacional
- transtornos psicológicos, como ansiedade e depressão
- queda na imunidade.
Além disso, trabalhadores sob estresse tendem a cometer mais erros, o que pode aumentar o risco de acidentes de trabalho.
Impactos organizacionais
Empresas que administram mal os fatores psicossociais podem sofrer uma série de impactos negativos, tais como:
- Aumento do absenteísmo e afastamentos por doenças ocupacionais
- Redução do engajamento e da produtividade
- Maior rotatividade de funcionários
- Deterioração do clima organizacional
- Risco de processos trabalhistas por assédio moral ou más condições de trabalho.
Em setores como saúde, transporte e indústrias de alto desempenho, trabalhadores sob pressão extrema podem tomar decisões equivocadas, colocando em risco não apenas a própria segurança, mas também a de clientes e colegas.
Qual a melhor NR para tratar dos fatores psicossociais?
A norma mais adequada para tratar dos fatores psicossociais é, sem dúvida, a NR-17 – Ergonomia.
Essa norma já prevê a avaliação das condições de trabalho relacionadas à organização das atividades, como:
- ritmo de trabalho
- exigências cognitivas e emocionais
- interação social e relações interpessoais
- tempo de recuperação e descanso.
Esses elementos já estão diretamente ligados aos fatores psicossociais.
Outra norma que pode contribuir para a identificação e gestão dos fatores psicossociais é a NR-07 – Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional (PCMSO).
O PCMSO exige a realização de exames médicos periódicos para monitorar a saúde dos trabalhadores. Com algumas adaptações, poderia incluir avaliações psicológicas para identificar sinais de transtornos relacionados ao trabalho, como síndrome de burnout, ansiedade e depressão.
Desafios
A introdução dos fatores psicossociais traz alguns desafios. Vejamos dois que se destacam.
Quem deve elaborar a avaliação?
Os profissionais de segurança do trabalho são especializados na avaliação de riscos ocupacionais tradicionais, utilizando metodologias quantitativas e padrões bem estabelecidos.
No entanto, a análise dos fatores psicossociais exige conhecimentos específicos em psicologia, psiquiatria, saúde mental, entre outras, ou seja, áreas que não fazem parte da formação desses profissionais.
Para avaliar fatores como estresse ocupacional, assédio moral, carga emocional e relações interpessoais, seria necessário envolver especialistas como psicólogos organizacionais, assistentes sociais e médicos do trabalho.
Risco jurídico para as empresas
A exigência de avaliar fatores psicossociais trará novos desafios para as empresas, especialmente as de pequeno e médio porte, que terão dificuldades para cumprir essa obrigação.
Alguns dos principais impactos incluem:
- Incerteza sobre os critérios de conformidade: como não há um método universal para medir riscos psicossociais, as empresas podem enfrentar dificuldades para comprovar que estão conformes.
- Possível aumento de passivos trabalhistas: se os fatores psicossociais forem mal interpretados ou utilizados de forma equivocada, podem se tornar base para processos trabalhistas, alegações de assédio moral ou condições inadequadas de trabalho.
- Necessidade de contratação de especialistas: empresas podem precisar contratar psicólogos organizacionais, consultores ou médicos especializados para atender às exigências, aumentando os custos com segurança do trabalho.
Se um trabalhador alegar que sofre pressão psicológica excessiva, como a empresa poderá demonstrar que está cumprindo a norma?
Diferente de riscos tradicionais, que podem ser medidos com instrumentos específicos, a análise dos fatores psicossociais é abstrata e depende de variáveis individuais e organizacionais, tornando sua aplicação um desafio.
Conclusão
Os fatores psicossociais são relevantes porque afetam diretamente a saúde dos trabalhadores e o desempenho das empresas.
No entanto, a forma como essa questão está sendo inserida na NR-01 pode comprometer a objetividade desta norma e dificultar sua implementação prática.
O desafio não está em reconhecer a importância desses fatores, mas sim em definir a melhor forma de regulamentá-los sem prejudicar a coerência das normas de segurança do trabalho.
OBS: esse conteúdo é uma opinião pessoal, não se tratando de recomendação de ação por parte de pessoas ou organizações. Para todos os efeitos, vale o que está determinado na Normas Regulamentadoras.
OBS 2: críticas e sugestões podem ser enviadas para o email contato ARROBA escola da prevencao PONTO com
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